Faz tempo que eu não escrevo. Já é março, mais precisamente terça de carnaval, o que certamente faz das cinco pessoas que leriam esse texto cair para o número de duas, talvez. Eu não sou do carnaval, não tenho paciência, detesto passar calor e hoje já não encaro multidão com tanto carísma. E essa euforia ilusória e felizona do carnaval me irrita um pouco. rsrs, desculpa, foliões, mas esse é meu jeitinho.
Tô acompanhando os FW’s ready to wear outono/inverno de 2026 , tentando, né? Juntando com as coisas que andam congestionando as mil abas do meu cérebro, aqui estou. Quem me conhece sabe que sou devota da master queen and only one Miuccia Prada. Me acho até meio ridícula sendo tão fã assim. Ela é muito vanguardista, mas tem memória - eu amo quem tem memória.
*image: vogue runway
Na semana passada, Prada desfilou na semana de moda de Milão, sua coleção de RTW Outono| Inverno 26, nerd e fã que sou, vi o desfile , entrei no Vogue Runway, analisei cada look, li o review da Nicole Phelps, acompanhei os comentários nas redes sociais e vi vários veículos chamando a coleção de RAW GLAMOUR – algo como “glamour cru”. Acho engraçado quando leio essas coisas, parece nome de esmalte. O fato é que acho que atribuíram esse nome por conta dos shapes meio desajustados, do “não acabamento”. Mas, para mim, a palavra que ficou ecoando na minha cabeça foi awkward, em inglês. E não sei exatamente como traduzir para o português. Inadequado? Bizarro? Nenhuma me parece capturar o sentido completo da palavra em inglês. Sempre gostei dessa palavra, a pronúncia, a sonoridade dela é perfeita e, pra mim, reflete exatamente o que é a palavra - eu tenho isso com algumas palavras.
Mas voltando ao desfile e ao motivo de eu estar aqui escrevendo sobre ele: os looks tinham algo de desajeitado, um fitting estranho, bagunçado, meio torto. Cortes a fio, sem acabamento, pregas fora do lugar, jewelry penduradas na roupa num vibe meio DIY/ Gambiarra?. E eu, que trabalho na indústria – não como crítica de moda, mas como alguém que constrói moda –, fiquei pensando: será que esse mood da coleção outono/inverno 2025 da Prada (que, convenhamos, sempre dita e antecipa um olhar cultural/comportamental anos-luz à frente) está só no desfile? Pra mim, é muito mais do que isso.
Essa desconstrução, essa ousadia no design, parece uma forma sutil de provocar um questionamento sobre como, na prática, a moda reflete o momento atual da sociedade. E mais do que isso, como ela impacta as estratégias de fashion merchandising e vendas. Será que a moda está sendo muito codificada para agradar uma fórmula que já não traduz mais o desejo real, e uma elaboração do consumidor? A proposta da Prada, ao deixar de lado a perfeição milimétrica e o excesso de polido, faz pensar também sobre como as marcas estão comunicando valores e estratégias de produto que ressoam mais com os aspectos sociais e culturais do público de hoje. A moda, nesse caso, não é apenas um produto acabado; é uma provocação e uma análise do que realmente se vende – no sentido de significado, e não de simplesmente ajustar o corpo à norma. Cathy Horny fez uma análise do MFW pra The Cut, onde ela questiona as High-fashion brands e seu real poder, não só de venda - que com os danças das cadeiras de DC e seus CEOS só parecem se preocupar com isso, esquecendo de narrativa de marca, criativa e elaboração social.
*image: vogue runway
Esse desajuste, essa inadequação (awkwardness), é um reflexo do mundo que a gente está vivendo. Parece que tudo está fora do eixo, mas embalado numa estética de alegria, sucesso, likes, botox, Ozempic e filtros estéticos dentro de um feed que já nem é mais quadrado. Até o Instagram está desajustado.
Miuccia Prada e Raf Simons questionaram o que é belo de um jeito que só eles sabem fazer, e vendo o desfile dá pra até ver que eles conversaram, trocaram sobre isso. E talvez seja por isso que sempre me fascinei pela Miuccia. Ela sempre esteve à frente. Gênio é pouco para descrever o que ela faz, existe uma humanidade por trás, uma coesão entre o luxo e o cotidiano, o ordinário. E tudo é tão à frente que as pessoas só vão entender daqui a um tempo. É sempre assim: questionando além do óbvio, traduzindo para roupas, acessórios, cores, shapes e texturas uma nesga do que está despontando na sociedade em termos político, econômico, cultural que refletem no comportamento e que acaba sendo traduzido para a moda.
*image: vogue runway
Além das roupas que parecem desengonçadas, não acabadas, que parecem maiores do que a modelo, a “beleza” é bagunçada, como se a modelo tenha pulado da cama, das 3 horas que ela conseguiu dormir, devido a uma insônia e exaustão de viver num mundo frenético e que o tempo virou obsoleto. Ela sai atrasada, sem ter tempo de respirar, escovar os cabelos... Esse desajuste do tempo me parece que ficou ainda mais nítido depois da pandemia.
*image: vogue runway
E enquanto o mundo me parece cada vez mais inadequado, fico olhando para o que acontece por aqui. No Brasil – e principalmente na indústria da moda e da beleza – a gestão das marcas é uma bagunça bizarra e inexistente, salve-se poucos. De grupos gigantes a marcas emergentes, vejo CEOs e diretores criativos se autoproclamando gênios e líderes, mas vários sem bagagem, não têm história, não têm vivência de trabalho. Zero experiência. Não à toa, pessoas viraram marcas. Oi, influencers!
*print de um post da . could not agree more! soooo good ;) e work hard pra mim não é workholic, ok?
Tudo quase me parece ser e é sobre prestígio e status. E apenas prestígio não constrói marca, produto ou legado. No máximo, faz um buzz passageiro e alimenta uma superficialidade que só evidencia a falta de profundidade e seriedade.
No review do Vogue Runway, Nicole Phelps comenta que Miuccia e Raf questionam o que é belo. Todo mundo quer ter a mesma cara, a mesma sobrancelha, o mesmo corpo. E parece que quem não segue esse código está inadequado.
E é aí que eu volto para o awkward. Miuccia joga isso na nossa cara, enquanto o mundo tenta ser perfeito demais. Esse desconforto todo faz a gente pensar. E pensar não é confortável. Faz questionar, rever, recalcular - dá trabalho.
Daí, faço um link com o motivo de ter gostado tanto do filme Substância, com a Demi Moore. O desconforto, a estranheza, o bizarro. A obsessão por não estar bem na própria pele. Tudo que a personagem dela aceita e faz com ela mesma, em suas duas versões – o “eu” mais velho e o “eu” mais novo – até virar um monstro bizarro e inadequado no final. Me peguei pensando como isso reflete o que vemos hoje: uma busca insana por pertencimento e perfeição que, no fundo, só cria um monte de gente vazia e “monstruosa”, tentando escapar de quem realmente são.
Miuccia e sua Prada talvez estejam questionando exatamente isso ao nos fazer perguntar: o que é belo hoje? A vanguarda enloquece e vibra, enquanto o mainstream rejeita, dá nome de esmalte, talvez porque não entende ainda.
*image: vogue runway
Mas a mamma-queen e seu time não são bobos, não. Pensando em sale, vendas e resultados – porque, afinal, vivemos num regime onde o capital é o que gera oportunidade – todas as bolsas da coleção estão INTACTAS. Perfeitinhas, bem adequadas, super bem acabadas. Prontinhas para serem adquiridas sem que seja necessário questionar absolutamente NADA e fazer com que ninguêm se sinta desajustado.
Plim, plim. Tick-tim, tick-tim. CEO, CFO, CMO,CD e todos os c-levels felizes.
Essa minha newsletter é uma carta aberta de admiração a Miucca Prada e tbm um reclame-aqui geral mas com sabor de fashion rsrs.
E pra não terminar essa newsletter parecendo a mais pessimísta, analítica ou sabe-se lá o quê, deixo vocês com esse sneak peek: Patti Smith + because of night + Bottega Veneta
Em vez de um desfile tradicional, a Bottega abriu mão da temporada. Nada de coleção nova na passarela. Com a saída de Matthieu para a Chanel e a chegada de Louise Trotter, a marca preferiu um pocket show íntimo, com Patti Smith no palco e 200 convidados - very important clients- num pequeno teatro dentro do headquarters da marca. Chic. Corajoso. E, acima de tudo, estratégico. Claro que tem um portfólio pronto pra entrar nas lojas, mas abrir mão do buzz e das vendas de um desfile para dar espaço a uma transição bem-feita? Isso me dá uma gota de esperança. O coro dos VIPs? Isso sim é luxo sem esforço. Exclusividade e intimidade.
Because the night belongs to lovers. And to brands que sabem a hora de dar tempo ao tempo.
Patti sendo ela mesma, fiel ao seu estilo, mas com uma camisa de couro tressê da Bottega Veneta. Aliás eu sigo ela aqui, e recomendo demais:
.Se vc chegou até aqui nessa newsletter; obrigada.
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M.